O Governo Federal enviou ao Congresso Nacional a primeira parte de uma proposta de reforma tributária. O projeto de lei unifica dois impostos complexos (PIS e Cofins) em um único tributo novo, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), com alíquota única de 12%.
A base da CBS é a mesmo do IVA, Imposto sobre Valor Agregado, adotado em mais de 160 países. Segundo o governo, o novo tributo simplificará o pagamento dos impostos por parte das empresas e deve reduzir os litígios administrativos e judiciais em torno da cobrança do PIS e Cofins.
Para não deixar dúvidas sobre a novidade, o Doutor em Contabilidade pela USP e Mestre em Contabilidade pela FECAP, coordenador do Núcleo de Apoio Fiscal e Contábil da FECAP (NAF) e professor do Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da FECAP, Tiago Slavov, elencou os principais pontos da mudança.
Abaixo, confira as explicações do especialista:
A UNIFICAÇÃO DO PIS E COFINS É UMA BOA IDEIA?
Não é apenas uma boa ideia, mas uma urgência, considerando a complexidade atual das duas contribuições. Em resumo, a unificação simplifica 2 mil páginas de normas existentes sobre o PIS e COFINS, melhora a transparência para o cidadão de quanto está pagando de tributo, simplifica a emissão da nota fiscal (reduz de 52 para 9 campos no documento) e simplifica as obrigações acessórias (custo com profissionais tributários). Afora isso, afeta toda a estrutura do Poder Judiciário e dos Tribunais administrativos, já que se estima que entre 20% a 25% dos processos tributários existentes se referem ao PIS e à COFINS.
QUAIS AS VANTANGESN E DESVANTAGENS DA REFORMA?
A principal vantagem é que finalmente o Executivo, que já estava prometendo o projeto desde o início de 2019, submeteu o PL ao Congresso. A desvantagem, como está agora, é que a proposta é incompleta, pois alcança apenas o PIS e a COFINS. Segundo manifestação do Governo, caberá à Câmara e ao Senado a articulação para que a CBS incorpore também os tributos Estaduais (ICMS) e Municipais (ISS), conforme já definido na PEC 45/19, em discussão nas duas casas legislativas. O Governo também precisa submeter a proposta de simplificação do IPI e mudanças relacionadas ao Imposto de Renda. Ou seja, a proposta é parte de uma reforma tributária, mas não a reforma em si.
QUEM PERDE E QUEM GANHA COM A REFORMA TRIBUTÁRIA?
Inicialmente, o PL, como já explicado, oferece uma simplificação que favorece empresas, profissionais tributários e o consumidor final. Mas, como simplificação não é sinônimo de economia, as novas alíquotas e sistemática podem implicar preços maiores de produtos e serviços. Especialmente, a principal novidade da norma é atribuir a responsabilidade de recolhimento dos tributos para as plataformas digitais, no caso do comércio eletrônico entre pessoas físicas. Ou seja, para evitar a sonegação nessa modalidade, o Governo adaptou o modelo do IVA Mini One Stop Shop, que funciona na Europa, para a realidade brasileira.
A REFORMA VAI FACILITAR A VIDA DO CIDADÃO OU GERAR MAIS IMPOSTOS?
Como o Brasil é o país no mundo onde se “perde” mais tempo com a apuração de impostos (média de 1500 horas por ano, por empresa, conforme o estudo Doing Business do Banco Mundial), a simplificação por si é vantajosa, pois um sistema tributário menos complexo reduz custos para as empresas, que, por sua vez, podem baratear os custos dos produtos. Contudo, apesar da defesa por parte do Governo de que a mudança da alíquota não trará aumento de arrecadação, espera-se sim que alguns setores e segmentos vão pagar mais tributos. O setor de serviços, especialmente.
REFORMA PODE IMPACTAR COMÉRCIO POR APLICATIVOS!
Dependendo de como for implementada a adoção do modelo “IVA Mini One Stop Shop”, atribuindo responsabilidade tributária para as plataformas digitais, poderá provocar uma profunda mudança no comércio por aplicativos.
Exemplo: uma pizzaria que vende seus produtos pelo aplicativo é fiscalmente obrigada a emitir a NF para o destinatário. Se ela não faz isso hoje, está sujeita a fiscalização, mas não é responsabilidade do aplicativo. Com a nova sistemática, se a pizzaria não emitir a NF, o aplicativo cobrará os 12% do estabelecimento, repassando-o para o Governo. E isso vale mesmo para aplicativos que estejam estabelecidos fora do Brasil.
O problema, nesse caso, é que a pizzaria pode estar praticando um preço “sem nota”, e com a nova exigência passaria a praticar o preço “com nota”. Não vai necessariamente acrescentar 12%, pois se ela está no regime de tributação do Simples Nacional, a reforma não afetará esse regime tributário. Mas o imposto “sonegado” passaria a ser cobrado do cliente. E, é claro, se a plataforma terá mais responsabilidades e riscos, cobrará mais das empresas pelos serviços prestados.
Outro exemplo prático da “mudança” para o modelo IVA, proposto na medida: no modelo atual, o imposto é calculado por dentro. Consideramos no exemplo a alíquota de 12%. Se um empresário compra uma mercadoria por R$ 50 e quer vender por R$ 100 (ganhar $ 50), ele precisa formar o preço assim: 100 / (1 – 0,12) = 100 / 0,88 = 113,63, sendo que está embutido o imposto de R$ 13,63 (12% de R$ 113,63). Na nova sistemática, o imposto passa a ser calculado por fora. Logo, se no mesmo caso um empresário compra uma mercadoria por R$ 50 e quer vender por R$ 100 (ganhar R$ 50), o imposto é calculado 100 x 12% = 12 + produto 100, tem-se o preço final de R$ 112,00. O segundo cálculo é mais simples para quem vende e para quem compra.
ESTADOS E MUNICÍPIOS DE FORA? GOVERNO QUER SER PROTAGONISTA DA REFORMA!
O Governo Federal argumentou que o Projeto não alcançou os tributos estaduais e municipais para “não ferir prerrogativas”, mas na verdade, como a PEC 45/2019 já está em discussão no Legislativo e ela incorpora a unificação dos tributos federais, estaduais e municipais, a sinalização do PL 3887/20 é principalmente um “apoio” e “contribuição” ao projeto já em discussão. Em outras palavras, a iniciativa do executivo incentiva o avanço das discussões da PEC 45/2019 e garante que o Governo não seja deixado de lado do “protagonismo” na Reforma Tributária, como em certa medida ocorreu com a Reforma da Previdência.
A REFORMA ADMINISTRATIVA É MAIS IMPORTANTE QUE A TRIBUTÁRIA!
Apesar de necessária e relevante, é preciso destacar que em termos econômicos, a reforma administrativa é mais importante que a reforma tributária: a primeira também está atrasada e afetaria os custos da máquina pública, reduzindo-os. Mas, politicamente, a reforma administrativa é ainda mais sensível aos interesses corporativistas.
PROPOSTA PARA IRPJ TAMBÉM TRARÁ IMPACTOS
Aguardamos para as próximas semanas, conforme prometido pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, a proposta de reforma do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, que prevê redução do IRPJ para as empresas e tributação de dividendos, gerando impactos mais significativos, especialmente no funcionamento do mercado de capitais e nas chamadas “pejotas”, ou prestadores de serviço.