O site do Estadão, na coluna de Fausto Macedo, publicou artigo do presidente-executivo da AARB, Edmar Araújo, que trata sobre a Lei das Assinaturas Eletrônicas e sua importância para o país. Confira.
Edmar Araujo*
Imagine a seguinte situação: um vazamento na cozinha lhe surpreende logo pela manhã. O transtorno da água ao chão pode aborrecer até a mais cândida das almas, mas com paciência e poucos cliques você consegue acessar algum app ou ainda acionar o contato da pessoa de sua confiança para realizar este tipo de serviço. Em minutos é possível localizar um profissional e em pouco tempo ele estará na sua casa, já ciente do problema e pronto a solucioná-lo.
Embora seja do conhecimento de pouquíssimos, este pequeno trato entre as partes produz o que o direito chama de negócio jurídico. Noutras palavras, pessoas capazes produzem cláusulas de direitos e deveres sobre uma atividade lícita, acordam as vontades e delimitam o objeto da avença.
Imagine se este trato estivesse condicionado a assinatura de contrato, com firma reconhecida em cartório e testemunhas? Seria muita burocracia para sanar eventualidade comum, aquela coisa que acontece sempre e com todo mundo pelo menos uma vez na vida. Mas não, não existe a obrigação de haver algo com o reconhecimento de uma serventia extrajudicial neste caso.
Agora, pensemos em tal: duas pessoas decidem pela negociação de um imóvel. Umas das partes, enfim, vai conseguir realizar o sonho da casa própria enquanto a outra receberá determinado montante que poderá ser utilizado em outras muitas investidas. Diferente do exemplo anterior, é inimaginável que a compra e venda de uma casa possa ser feita tendo por comprovação de negócio jurídico mero trato verbal ou registro de conversa de WhatsApp. Para uma tratativa dessa magnitude, é preciso observar o que a lei estabelece e, dentre as muitas obrigatoriedades para gerar todos os devidos efeitos está a de identificar as partes e reconhecer suas assinaturas.
Que tal se levarmos ambos os exemplos para o mundo digital?
No primeiro, que já é bastante realizado por meio de tecnologias, a identificação e a expressão de vontades exigem menos burocracia. E aqui vale uma rápida definição desta que tem sido demonizada pelos expeditos da era digital. Burocracia nada mais é do que o coletivo de todos os procedimentos adotados para garantir a segurança jurídica dos atos. É verdade que existe excesso dela no Brasil, mas não podemos abdicar deste conjunto de regras com a justificativa de acelerar os negócios por aqui. Direção sempre será mais importante do que velocidade.
Já no caso do imóvel, pelas implicações que a venda e a compra consigo trazem, a burocracia é mais que necessária com vistas a asseverar que os deveres foram devidamente contraídos pelas partes e, também, que estas gozarão dos direitos advindos do referido negócio jurídico. É preciso uma terceira parte de confiança, capaz de identificar devidamente todas os envolvidos e garantir que aqueles que assinam os atos são, de fato, quem afirmam ser. Além disso, a conferência dessas assinaturas precisa ser respaldada de acurada segurança técnica e conter elevada presunção de validade jurídica.
Por isso, considero que a recente sanção da Lei 14.063/20, que dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, em atos de pessoas jurídicas e em questões de saúde, é digna de nota.
A indústria 4.0 tem sua porta de entrada na digitalização dos processos. Ao permitir que os cidadãos tenham direito a uma assinatura eletrônica, caminharemos rapidamente para a tão necessária sociedade digital. Atos da vida poderão ser realizados pela internet com segurança, confiabilidade e enorme conveniência no Brasil.
O texto da lei respeita os diferentes tipos de transações possíveis na rede mundial de computadores, reservando a maior parte das operações digitais para assinaturas eletrônicas simples e avançadas, muito mais baratas e fáceis de adquirir. Naqueles atos que inspirem maior segurança e elevada presunção de validade jurídica, apenas a assinatura qualificada (ICP-Brasil) poderá ser utilizada já que somente ela possui os mesmos valores probantes da firma reconhecida em cartório.
É preciso avançar cada vez mais, e eu acredito que o Brasil esteja no caminho da modernização. A lei vai ao encontro da atuação do governo para a oferta concreta de serviços eletrônicos. Iniciativas como o gov.br em que o cidadão poderá acessar inúmeros balcões digitais, evitando deslocamentos, filas e o desperdício de recursos (aproximadamente R$ 2 bilhões por ano, sendo R$ 500 milhões para o governo e R$ 1,5 bilhão para a sociedade) e tempo (cerca de 149 milhões de horas antes gastas com burocracia desnecessária) são mostras concretas de que a sanção foi acertada e orientada para o máximo interesse público.
A Lei é um avanço para todos os setores e uma vitória da sociedade.
*Edmar Araujo, presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB). MBA em Transformação Digital e Futuro dos Negócios, jornalista, especialista em Leitura e Produção de Textos. Membro titular do Comitê Gestor da ICP-Brasil